segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O Cometa.

Ele pretende aproveitar as primeiras horas do anoitecer para ver o cometa. 
Cometas o intrigam. Meio vagabundos, de vez em quando aparecem deixando em polvorosa o mundo dos supersticiosos e encantando uma plêiade de astrônomos. 
- Será que Elenira fará o pedido de sua vida quando o avistar. Há tempos à cata de namorado sempre fala que precisa mandar recado ao cometa. Chegou a hora, ele aparecerá. Liga para ela: 
- Hoje à noite, pelas nove, pode olhar o poente. Aparecerá o cometa. 
Engraçado. Tanto ela falou de pedido a fazer e agora nem se empolga. Terá arrumado namorado? 
Que se dane! Conhece Elenira há quase dois anos. Não pode negar a simpatia que lhe inspira. São amigos. Falam de tudo, até de amor. 
Devia arrumar um jeito para apreciarem juntos a passagem do cometa! Resolve ligar outra vez: 
- Vou observar o cometa lá na chácara do tio Honório Ferreira. Você pode ir junto. Tia Alvarina gostará muito. Sabe, lá fora as luzes não atrapalham a visão. Será divino ver o caudaloso passar pelo céu escuro! 
A tarde no serviço custa a passar. 
Escuridão total. Em poucos minutos estão na chácara. Honório Ferreira recebe-os na cordialidade de sempre. 
- Estejam em casa. 
Tia Alvarina traz um café e bolinhos. 
- Quem sabe a moça queira chá?! 
Elenira agradece. Gosta de café mesmo. Vieram para ver o cometa e não é para se incomodar por causa dela. 
Ficam sozinhos no descampado. Os tios vão observar o cometa de casa mesmo. 
- A aragem faz mal para velho como a gente. 
A conversa de sempre, assuntos banais. Ele sabe que é o momento de fazer a declaração. Espera que chegue o cometa. O horizonte mostra as estrelas que ele conhece a séculos. O danado parece não ter pressa. E ela ali. Calada agora. 
- O que deu em você? 
- Por quê? 
- É sempre tão falante. Por que se cala tanto? 
Ele não responde, olhos fixos na infinitude da noite escura. 
O pio da coruja acorda os dois. Num sobressalto Elenira pega sua mão. 
- Estou com medo! 
- De quê? 
- Não sei. Esse grito. Parecia alma penada! 
- Bobagem! É só uma coruja! 
Ele puxa a moça contra seu peito. 
- Não há motivo para temores. Por estes lados não existem almas penitentes. Tudo gente bem enterrada. Os vivos se bandearam para a cidade. Os poucos que ainda moram por cá penam seus pecados de sol a sol na labuta das lavouras e nos cuidados com o gado. 
Elenira ouve o discurso calada. Continua sem falar. 
Outra vez o pio. Outro sobressalto. 
- Podíamos voltar. Acho que o cometa não vem. 
- Está quase na hora. 
- Eu não quero mais vê-lo! 
- Mas, e o pedido? 
- Que pedido? 
- O que você quer fazer ao cometa! 
- Não quero mais fazer pedido nenhum! 
- Mas eu queria! 
- E você acredita? 
- No quê? 
- Que o cometa possa atender algum pedido? 
- Talvez! 
- Que pedido você vai fazer? 
- O mesmo seu? 
- Então fará nenhum. 
O pio estridente da coruja seguido de um bater de asas interrompe o colóquio. Passos pesados e rápidos aproximam-se. 
- Vamos andar. Tem alguma coisa errada! 
A voz dele demonstra quase pavor. 
- Alto lá, não se mexam! 
O susto estaca ambos ao chão. Ele quer gritar. A voz está presa. Elenira choraminga abraçando-se firme nele. 
O silêncio agora é enervante. O ar parece pesado e a escuridão é total. 
Súbito ele olha para o oeste. Lá está o cometa, exibindo sua cauda quilométrica. 
- Elenira, olha o cometa. 
A voz sai num sussurro. 
Elenira num grito espanta o povo penitente das redondezas. 
- Socorro, cometa, socorro! 
Ele pega-a pela mão e saem correndo, tropeçando nos outeiros, caindo, rasgando as roupas e em instantes alcançam a caça onde Tia Alvarina os espera. Estão em estado lastimável e ela pergunta: 
- O que aconteceu? Como estão assustados! Não viram o tio? 
- Não. Só vimos o cometa. 
- Acho que o velho danou de uns tempos para cá. Toda sexta-feira à noite dá longas voltas pela redondeza.


[ Roque Weschenfelder ]

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