terça-feira, 16 de novembro de 2010

A angústia consumiu todo o seu peito, eufemismo de pulmão, e você desistiu de fazer poesia, porque você passeia pelo oito ou pelo oitenta com a mesma frequência com que vai ao parque correr. Você não sabe se corre de algum lugar ou para outro lugar, mas continua mesmo assim, até sua perna e seu tornozelo se machucarem, depois de desistirem de andar atrás dessa sua fé impregnada de náuseas sartreanas, que você tenta queimar na fogueira, acendendo vela branca para salvar a sua alma do buraco do ceticismo. Tem essa risada boba e esse jeito meio infantil de se vestir, coisa de espírito livre, mas revela um sorriso desenvergonhadamente sério, acompanhado por olhos extremamente confusos e cabelos bagunçados, que lhe conferem uma angústia quase adotiva quando anda pelas ruas na luz amarelada do final do dia. E como você adora essa luz. Fica trocando de calçada feito uma louca, a cada cinco metros, só para acompanhar a despedida do sol, enquanto você tenta desesperadamente distrair esse seu lado escuro e questionador com um pouco de claridade, porque você tem aquela história de ‘sentir uma insolação quase febril de inconsciência do resto do mundo’. E como você gostaria de um pouco de inconsciência, meu Deus. Talvez você dormisse mais. Talvez você sonhasse mais. Talvez você usasse menos ‘sim’ e ‘não’ e tentasse um ‘talvez’. E de uns tempos pra cá, alguma coisa em você mudou. E você anda por aí com essa alegria constante, até meio vendida, no meio de tantas perguntas a se fazer, a se responder, mas que você ignora fazendo crônicas estúpidas com conclusões estúpidas, tornando você mais uma em qualquer lugar que vai, apesar de não se importar, apesar de achar que não, tantos apesar de. E, imediatamente, eu lembro de você passando pela portaria de cabeça baixa, com o cabelo preto preso em um rabo de cavalo alto e alguns fios caindo nos olhos, cheios de resto de maquiagem preta, que insistem. Você ainda enjoada dos seus próprios erros de menina, procurando nos bolsos algum resto de poesia, enquanto atropela, pelo chão, alguns pedaços das suas próprias vontades, que você esqueceu em algum lugar. E tudo isso, toda essa intensidade, tinha uma certa beleza, sabe? A tristeza lhe cai bem. Porque a alegria, quando freqüente demais, corre aquele pequeno risco de se vulgarizar.

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